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Foto do escritorGraziela Grassi

Uma análise do livro “Sejamos todos feministas” de Chimamanda Ngozi Adichie (2014)


Fonte: Autora, 2021.


A obra Sejamos todos feministas, escrito pela autora Chimamanda Ngozi Adichie (2014), é uma adaptação de seu discurso realizado em 2012 durante o TEDxEuston, conferência anual com foco na África, intitulada We should all be feminists, em português: Todos nós deveríamos ser feministas. Em seu discurso, Adichie abordou experiências pessoais e histórias de pessoas próximas a ela, em que a questão do feminismo esteve presente e atuante. A autora evidenciou as relações sociais que envolvem o feminino e a concepção distorcida e preconceituosa que muitas pessoas têm ao abordar a questão de gênero.


Embora a apresentação tenha sido breve, o resultado de seu discurso pela igualdade de sexos não apenas ganhou o mundo, com milhões de visualizações nas plataformas digitais, como teve fragmentos incorporados na composição da canção Flawless da cantora Beyoncé, além do livro lançado pela editora Companhia das letras, em 2014. A obra, adaptada de seu discurso possui singelas 64 páginas e apresenta, no entanto, um conteúdo temático denso e provocativo, propondo reflexões que perpassam por questões que transcendem as ideias preliminares de feminismo, gênero, sexualidade, lugar social de mulheres e homens e, principalmente, do tipo de educação formal e informal que crianças recebem em suas famílias e instituições de ensino, de tal forma que começa discursando:


Homens e Mulheres são diferentes. Temos hormônios em quantidades diferentes, órgãos sexuais diferentes e atributos biológicos diferentes – as mulheres podem ter filhos, homens não. Os homens têm mais testosterona e em geral são fisicamente mais fortes do que as mulheres. Existem mais mulheres do que homens no mundo, mas os cargos de poder e prestígio são ocupados por homens. [...] quando um homem e uma mulher têm o mesmo emprego, com as mesmas qualificações, se o homem ganha mais é porque ele é homem.


A autora parte em seu discurso, de um ponto de vista biológico, e afirma que, sob essa perspectiva, existem sim diferenças entre homens e mulheres, no entanto contrapõem tal afirmação, sustentando que, a crítica, estaria no fato de que “as diferenças biológicas não são e não deveriam ser motivos para o tratamento diferenciado, o que acaba refletindo na “falsa” imagem de que, só por isso, o homem possuiria um papel mais importante na sociedade” (AMORIM, 2019). Nesse contexto, a construção de certos preconceitos quanto ao condicionamento e a força física, são retratados, muitas vezes, como uma justificativa para enaltecer o estereótipo masculino e desmerecer o feminino, construindo a partir daí a ideação de que quem manda é o indivíduo fisicamente mais forte.


Porém, isso começa a mudar quando Adichie (2014) diz que o que deveria ser avaliado e valorizado é o fato da pessoa ser a mais “inteligente, a mais culta, a mais criativa, a mais inovadora” e não pela razão da condição física. Quando a força física relacionada a capacidade de liderança, é bem verdade que nem sempre a pessoa que é mais forte é capaz de liderar. Entretanto, não se deve esquecer que existem profissões em que a força física tem um peso muito maior que a capacidade de liderança, por isso, não é interessante generalizar.


Exposto isso, a autora propõe a desconstrução dessa naturalização de superioridade e inferioridade relacionada a diferença do condicionamento físico entre homens e mulheres, e a partir daí tece seu discurso, levantando questionamentos que estão presentes quando se avalia a presença do homem no mercado de trabalho. Historicamente, ela aborda, que a figura masculina não só esteve mais presente em cargos de maior destaque e maior poder, como também isso se reflete atualmente em questões financeiras, onde o homem acaba ganhando muito mais do que as mulheres quando se faz a comparação, sem contar também, o número superior de oportunidades que são oferecidas e com salários mais dignos.


Contudo, a situação começa a mudar, segundo a autora, com o empoderamento feminino, as discussões sobre feminismo e a perspectiva de equidade de gênero em constante debate nos últimos anos. Com essa quebra gradativa dos preconceitos, muitas mulheres passaram a assumir cargos altos em grandes empresas e tomando posições no mercado de negócios tão importantes quanto as que os homens costumavam ocupar. Mas, para que isso se perpetue, Adichie (2014) destaca a necessidade da educação como ferramenta de mudança e construção de mentes favoráveis para esse quadro de transformação social, de tal forma que:


A questão do gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente (ADICHIE, 2014, p. 28).


Nesse ponto do texto, a autora reflete a educação de crianças independente da cultura. Ela sustenta que somos designados aos gêneros feminino e masculino antes mesmo do nascimento e quando nascemos essas designações tornam-se mais contundentes, em virtude do sexo biológico, como por exemplo a escolha do nome. E por consequência dessa designação, a autora afirma que são definidas as formas de educar meninas e meninos.


Essa questão foi percebida por Adichie (2014) durante a infância, isto é, a distinção dos papéis sociais de meninos e meninas são, primeiramente, condicionados pelo fator biológico. Em outras palavras, para o discurso patriarcal, meninos e meninas têm direitos e formas de tratamentos diferenciados devido a fatores biológicos. Ela relata que existe de fato uma importância do gênero, mas dá a entender que ainda mais importante que essa prática, é a forma pela qual as pessoas observam o mundo, que os tornam seres machista ou não.


Como uma possível solução para que essas “regras” condicionantes não venham a se desenvolver, ela propõe que as novas gerações comecem a ser criadas de uma forma mais humana, mais justa e que isso se perpetue, mostrando que:


O problema da questão de gênero é que ela prescreve como devemos ser em vez de reconhecer como somos. Seríamos bem mais felizes, mais livres para sermos quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas do gênero (ADICHIE, 2014, p.36-37).


Em seu discurso, Adichie (2014) coloca o gênero como fator determinante na vida de uma pessoa. A autora ainda afirma que a humanidade seria mais feliz se não existisse esse “peso das expectativas de gênero”. Entretanto, a felicidade de cada indivíduo não está baseada em seu gênero, mas sim em suas ações, gostos, interesses e sentimentos. Desta forma o gênero se torna apenas um fator na vida de cada indivíduo. O problema não são os sexos diferentes, mas sim, na superioridade errônea de um em relação ao outro. Diferentemente dos homens, dentro de uma mesma categoria social, o lugar das mulheres é frequentemente secundário ou apenas subordinado, tendo assim, um acesso desigual ao poder e as tomadas de decisões.


Nesse aspecto, a autora volta a assuntos já explorados e vai além, utilizando um discurso como uma prática política e ideológica “a primeira, porque o discurso pode reproduzir ou transformar relações de poder, e a segunda, pois o discurso é capaz de constituir, naturalizar, manter e transformar os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder” (FAIRCLOUGH, 2001).


Essas relações de poder, por sinal, têm forte influência do patriarcalismo sob o coletivo, “alertando para um tipo de sistema no qual o machismo se baseia – é sob ele que se conformam historicamente os privilégios da classe masculina em relação à classe de mulheres” (BUTLER, 2015). A realidade da vida cotidiana faz com que seja necessário insistir não apenas na circulação de ideias de igualdade, mas no aprofundamento e na ampliação de reflexões sobre essa discriminação das mulher es, seu papel na sociedade, o enorme potencial de mudança contido na experiência das organizações femininas e feministas (LOPES, 1990).


Sob essa perspectiva que a autora finaliza seu discurso, imprimindo em um tom mais ativo, a necessidade de se opor a qualquer tipo de medida que venha censurar o direito das suas próprias escolhas e vontades. Ao fazer isso, a autora não apenas fala por si, mas inspira um comportamento que deveria ser praticado pelas demais, onde a mulher passa a ser vista não mais como subordinada e/ou dependente, mas livre para fazer o que bem entender.


Por fim, é valido ressaltar que discutir o feminismo não é somente falar sobre os direitos que as mulheres devem ter e a equidade que deve existir entre os gêneros. Falar sobre feminismo também é conseguir mostrar aos homens, que o machismo faz mal para eles mesmos, pois:


O modo como criamos nossos filhos homens é nocivo: nossa definição de masculinidade é muito estreita. Abafamos a humanidade que existe nos meninos, enclausurando-os numa jaula pequena e resistente. Ensinamos que eles não podem ter medo, não podem ser fracos ou se mostrar vulneráveis, precisam esconder quem realmente são – porque eles têm que ser, como diz na Nigéria, homens duros (ADICHIE, 2014 p.29).


Sejamos todos feministas, de Chimamanda Ngozi Adichie (2014), aborda de forma muito objetiva e clara as temáticas propostas, além de dar definições sobre temas que muitas vezes temos dificuldade em definir. “ A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura” (ADICHIE, 2014 p.48).


Referências:


ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Trad. Christina Baum. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.


AMORIM F. Antônio. Uma análise discursiva de Chimamanda Ngozi Adichie. In: IV Seminário Internacional: Desfazendo Gênero, 2019, Recife, PE. Disponível em: https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/64289. Acesso em: 12 de maio de 2021.


BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.


COSTA, Ana A. O Movimento Feminista no Brasil: dinâmica de uma intervenção política. Revista Gênero, vol. 5, n. 2, 2005.


FAIRCLOUGH, NormaN. Discurso e Mudança social. Brasília: Ed. UNB, 2001.


FOUCAULT, Michel. Historia da sexualidade. 1. ed. Rio de janeiro: Graal, 1985.


LOPES, Eugênia P. Porque trabalhar com mulheres. 1. ed. - Recife: Oxfam, 1990.


MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. São Paulo: Autêntica, 2012.


VALDEZ L. Nataly. Sejamos todos feministas, de Chimamanda Ngozi Adichie. In: Caderno Espaço Feminino. DÓI: http://dx.doi.org/10.14393/CEF-v31n1-2018-19. Uberlândia, MG.


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1 Comment


Katia Ferreira de Oliveira
Katia Ferreira de Oliveira
Jun 10, 2021

Parabéns Grazi! Ótima contribuição para as discussões sobre gênero! Precisamos mudar a maneira de educar meninas e meninos! Salve Chimamanda Ngozi Adichie!

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