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Foto do escritorMaria Rita Soares

Revisitando Jacobs


Fonte: ArchDaily Brasil


Escritora e ativista política americana, Jane Jacobs ocupa um lugar central nas discussões teóricas em estudos urbanos. Apesar de não apresentar a questão urbana numa perspectiva feminista, Jacobs discorre sobre o planejamento urbano e apresenta uma reflexão feminina sobre a cidade. Neste sentido, o debate aqui apresentado tem como objetivo afirmar a importância de incluir mulheres no pensamento das cidades, não só como usuárias do espaço urbano, mas também como agentes transformadoras.


Nascida em 1916, na Pensilvânia, Jacobs escrevia e publicava poesia desde os 9 anos de idade. Ao contrário do que muitos pensam, Jane Jacobs não era arquiteta de formação, mas como estudiosa, crítica e ativista consolidou alguns princípios importantes para a constituição de cidades inclusivas e para todos.


Em 1935 mudou-se para Nova York. Trabalhando como taquígrafa e repórter "freelancer", começou a escrever sobre bairros operários e passou a refletir sobre as dinâmicas das cidades. Baseada em observações empíricas, restritas inicialmente às vivências no seu bairro, Jacobs formulou uma teoria sobre como as cidades deveriam ser entendidas e planejadas.


Apesar do papel central que ocupa na disciplina do urbanismo, o único trabalho traduzido para o português é o seu primeiro livro, o clássico "Morte e Vida de Grandes Cidades”, publicado originalmente em 1961. Além deste, Jacobs publicou outros seis livros sobre cidade, economia, ecologia, política e cultura: The Death and Life of Great American Cities (1961); The Economy of Cities (1969); The Question of Separatism (1980); Cities and The Wealth of Nations (1984); Systems of survival (1992); The nature of economies (2000); Dark age ahead (2004).


Cronologia da obra de Jane Jacobs (1961 - 1969 - 1980 - 1984 - 1992 - 2000 - 2004).

Montagem da autora, 2021.


Morte e Vida de Grandes Cidades, primeiro livro da autora na área, representa um marco para o urbanismo. A partir de uma crítica ao Urbanismo Moderno, mudou definitivamente a forma de observar e analisar os fenômenos citadinos, reforçando a necessidade de vivência para o bom planejamento, resgatando a preexistência da cidade multifuncional e considerando a importância da rua, do bairro e da comunidade como elementos centrais na cidade.


Este livro é um ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes (Jacobs, 2017, p. 1).

Seu objetivo era estudar o funcionamento das cidades na prática, expondo quais os princípios contribuem com a promoção da vitalidade urbana e quais a inviabilizam. Assim como muitas outras feministas antes de nós (a exemplo de Audre Lord, Bertha Lutz), Jacobs já versava sobre o silêncio e a crença de que este não pode nos salvar. A partir deste entendimento convidou, durante décadas, os cidadãos a saírem de suas casas, experienciar as cidades e sobretudo, entender as suas dinâmicas, baseada na ideia de que “as cidades têm condições de oferecer algo a todos apenas porque, e apenas quando, são criadas por todos”.


Jacobs considera que a constituição de um espaço público de qualidade se dá, fundamentalmente, a partir de uma diversidade de usos com capacidade de atrair gente diferente e o tempo todo. Desse modo, reforça a importância do distanciamento do olhar para as características do lugar, direcionando-o para as pessoas, à medida que um espaço urbano vazio, por mais belo e atrativo visualmente que pareça, não pode ser considerado um espaço público bem sucedido.


Para a autora, dois fatores são fundamentais para a vida pública e podem ser alcançados pelo desenho das cidades, a segurança e a diversidade. Aquele é pré-requisito para o uso da rua pelas pessoas. Este apresenta-se como certeza de que a cidade não seja o resultado do agrupamento entre iguais, de comunidades homogêneas e intolerantes. Tem como objetivo tornar todas as ruas da cidade diversas e vibrantes. Estabelece ainda, que o lugar da urbanidade precisa de três tipos de pessoas: os moradores locais, os passantes e pessoas estranhas [os visitantes]. Podemos adicionar a discussão, que esta diversidade de usuários está também relacionada a questões de gênero e idade, e listar, como atores fundamentais para a diversidade no espaço público, mulheres, crianças, jovens, adultos, idosos.


Assim, não apenas a simples escolha por determinada atividade ou parcela da cidade são suficientes para as dinâmicas de apropriação, mas outros fatores interferem nessas decisões. Jacobs estabelece quatro geradores fundamentais para criar condições a uma diversidade urbana:


1. Miscigenação de usos ou usos combinados: mais de uma função principal, acarretando na presença de diversas pessoas por motivos diferentes [escritórios, fábricas, moradias, diversão, recreação etc]. A mistura de pessoas na rua em determinado momento do dia deve ser razoavelmente proporcional ao número de pessoas presentes em outros horários do dia;

2. Densidades de usos: Densidade suficientemente alta de pessoas A relação entre concentração populacional e diversidade de usos deve levar em consideração os moradores do local, principalmente nos bairros, cujo uso principal é residencial;

Menos gente morando = pouca infraestrutura ou pouca diversidade de usos

3. Edificações de diferentes tempos: Edifícios de idade e conservação diferentes. Adaptação de velhos espaços para novos usos - transformações que ocorrem a todo tempo nos distritos em que há vitalidade e que atendem às necessidades humanas;

4. Quadras curtas: Oportunidades de virar esquinas frequentemente permitem trajetos variados, comércio crescente e aparecimento de novas ruas, além de gerar mais possibilidades de encontros e consequentemente de fuga.


Em Morte e Vida, Jacobs relaciona o sentimento de segurança diretamente ao uso da rua e das calçadas. Utilizando a expressão “olhos da rua” [eyes on the street], defende que a manutenção das calçadas e a valorização dos espaços públicos aumentam a circulação de pessoas, gerando uma vigilância natural que os torna mais seguros. Sustenta ainda, que pessoas de diferentes grupos ocupam a cidade também de maneira distinta e dela fazem uso em diversos momentos. Para que isso aconteça, elas [as ruas] devem abrigar uma multiplicidade de funções, combinando moradias com estabelecimentos comerciais e de serviços de vários tipos e tamanhos.


Nesta perspectiva, podemos associar as formulações de Jacobs às práticas da vida cotidiana atual. Deixar o perigo reinar, priorizar veículos, cultivar a instituição de territórios - como os condomínios fechados, por exemplo; seriam práticas opostas ao sustentado por ela como o reflexo de uma cidade saudável e das discussões de um urbanismo mais inclusivo e perceptivo.


Podemos dizer, então, que a existência de uma confiança pública informal é a base para a vitalidade da cidade. Por outro lado, a sua inexistência contribui para o apagamento do espaço público como local de interação, dando lugar a um sentimento de medo e de insegurança, além de produzir impactos na vida urbana e de contribuir para o surgimento de um outro panorama socioespacial e de novas formas de sociabilidade.


Essa constituição de uma sociabilidade violenta e de uma menor disposição à interação social entre grupos heterogêneos de indivíduos é assunto abordado de forma recorrente na literatura por autores como Richard Sennet (1988), Mike Davis (2009), Teresa Caldeira (2000). Os autores reconhecem seu reflexo na restrição de sociabilidade no espaço público em cidades latino-americanas contemporâneas.


Esta é, sem dúvida, uma das principais críticas de Jacobs ao planejamento urbano moderno: o deslocamento da sociedade. Para a autora, há uma relevante importância em direcionar o olhar para o espaço público como uma forma de prestar atenção às relações sociais cotidianas nele desenvolvidas e do contrário, a abstração do espaço público levaria os indivíduos para longe das coisas comuns e cotidianas da cidade.


Jacobs nos ensina, sobretudo, que a cidade só é compreendida [e construída] através de uma observação pessoal e coletiva. E então, você já pensou sobre qual é o tipo de cidade onde gostaria de viver?


Referências:


CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros. São Paulo: Editora 34, 2000.

DAVIS, Mike. Cidade de quartzo. Escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo, Boitempo, 2009.


JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2017.

Martín Marcos. Jane Jacobs e a humanização da cidade. 04 Mai 2016. ArchDaily Brasil. Acessado 16 Ago 2021. <https://www.archdaily.com.br/br/786817/jane-jacobs-e-a-humanizacao-da-cidade> ISSN 0719-8906


SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

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