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Foto do escritorKátia Oliveira

Resenha do artigo “Política Representativa” de Heloísa Buarque de Hollanda e Antonia Pellegrino

Atualizado: 27 de fev. de 2023


Imagem: Kátia Oliveira, 2021.


Em tempos de virulências e violências crescentes e dada a relevância do tema da representatividade política das mulheres no Brasil, sobretudo na perspectiva das eleições de 2022, esse texto tem a intenção de apresentar uma resenha do artigo “Política Representativa”, de autoria de Heloísa Buarque de Hollanda e Antônia Pellegrino que compõe o livro “Explosão Feminista: arte, cultura, política e universidade”, publicado em 2018 pela Editora Companhia das Letras. O livro é composto de uma coletânea de ensaios, organizada por Heloísa, onde ela, feminista da terceira onda (década de 1980), compartilha a pesquisa e a escrita com uma nova geração de feministas.


Heloísa Buarque de Hollanda nasceu em Ribeirão Preto (SP), em 1939. É ensaísta, escritora, editora, crítica literária, professora universitária e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedica suas pesquisas à relação entre cultura e desenvolvimento, relações de gênero e étnicas, culturas marginalizadas e cultura digital. Construiu sua militância feminista a partir da academia, buscando mudar os modos tradicionais de pesquisar e produzir conhecimento, abrindo espaço para novas vozes, novos saberes e novas políticas.


Antonia Pellegrino nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1979. É escritora, roteirista e diretora de televisão e cinema. Se tornou uma das vozes mais ativas do feminismo contemporâneo (quarta onda) graças ao trabalho como editora do blog #AgoraÉQueSãoElas. Em 2015, criou a campanha #AgoraÉQueSãoElas, chegando a obter 65 milhões de menções no Twitter. Articulou a maior campanha em rede de combate à violência contra mulher no Brasil, #MexeuComUmaMexeuComTodas. Em 2017 realizou o documentário Primavera das Mulheres.


As autoras, instigadas pela observação atenta à baixa representatividade das mulheres na política nacional e por outro lado, a alguns avanços e espaços conquistados nos últimos anos, relevantes para as lutas feministas, produziram um ensaio que busca responder às seguintes perguntas: Como estar satisfeita com uma democracia representativa que não representa 51,4% de sua população? Se as mulheres são tão sub-representadas, como houve avanços até aqui?


Inicialmente, a fim de demonstrar a desigualdade existente nas diferentes instâncias da política institucional, que causa inúmeros prejuízos para a conquista e garantia dos direitos das mulheres em toda sua diversidade (classe, raça e gênero), são apresentados alguns números sobre a situação da representatividade política feminina no Brasil que, dentre os países da América do Sul, apresenta o menor índice de representação parlamentar.


Para entendermos como mesmo sendo sub-representadas as mulheres conseguiram alguns avanços nos últimos tempos, as autoras apresentam as contribuições das cientistas políticas Lúcia Avelar e Patrícia Rangel, demonstrando em seus estudos sobre a realidade brasileira e argentina, que os avanços nas lutas feministas acorreram, principalmente, por meio das representações extraparlamentares.


Ocorreram graças às organizações sem fins lucrativos, aos ativismos feministas diversos e também à crescente especialização dos movimentos de mulheres no trato com as diferentes instâncias da política nas três esferas de poder, ocupando ministérios, secretarias de estado, conselhos e comissões, por exemplo. Além disso, organizações e ativistas se utilizaram de ações participativas que ocuparam as ruas e casas legislativas para barrar perdas de direitos ou propor mudanças nas leis, mobilizadas em assembleias virtuais para fazer valer a força da democracia direta.


Na sequência, são trazidas as reflexões de Márcia Tiburi para explicar como se construiu socialmente, ao longo da história, que o poder em todos os níveis é um direito natural reservado aos homens, enquanto as mulheres trabalham demais, são maioria em algumas profissões, mas ocupam pouquíssimos cargos de chefia. A filósofa esclarece que, através de procedimentos cognitivos e éticos, essas ideias são transformadas em hábitos que, naturalizados, nos fazem achar que as coisas são como são e que não podem ser questionadas.


Para Tiburi: “Na ausência de questionamento, o machismo aparece como culto da ignorância útil na manutenção da dominação que depende do confinamento das mulheres na esfera da vida doméstica para que se mantenham longe do poder.” Acredita que é fundamental as mulheres terem consciência que quando ocupam o espaço público, estão saindo do “quadrado” que lhes foi destinado pelo sistema machista. Manuela d’Ávila, deputada federal, relata seu gesto de ousadia e resistência ao levar sua filha recém-nascida para as reuniões da câmara, testemunhando o não acolhimento das mulheres com filhos nesses espaços.


O ensaio também aponta que, desde a década de 1990, a legislação eleitoral vem sofrendo alterações e acréscimos, a fim de aumentar a quantidade de mulheres candidatas e eleitas. Embora de forma lenta e com vários problemas de regulamentação e aplicação das regras pelos partidos, essas mudanças vêm surtindo um paulatino efeito positivo. Mais mulheres de diferentes perfis têm se encorajado a participar do processo eleitoral nos últimos anos e várias têm se elegido com expressivas votações.


Nas eleições municipais de 2016, motivadas pelas manifestações de 2013 nas redes e nas ruas, na chamada “primavera feminista”, várias de suas representantes participaram da disputa eleitoral e foram bem votadas. Novas agentes políticas articularam a renovação dos quadros políticos através de plataformas digitais e bancadas constituídas de forma coletiva, configurando um movimento em que uma sobe e puxa a outra, como é o caso por exemplo da plataforma #Me Representa, #PartidA e Muitas.


Os depoimentos de Marielle Franco e Talíria Petrone, duas jovens negras eleitas vereadoras em 2016, são apresentados para demonstrar que, desde a campanha, quando a candidata tem seu rosto estampado no panfleto, já começa a sofrer a violência machista e racista nas ruas. Depois de eleitas, como são minoria num ambiente masculino e conservador, enfrentam violências dos próprios colegas. Suas presenças, vestimentas e bandeiras, incomodam a ponto de se tornarem alvos de xingamentos e ameaças.


Diante dessa realidade desigual e violenta, Hollanda e Pellegrino, de forma a projetar um horizonte de esperança, onde as pioneiras a ocuparem um lugar na política institucional brasileira deixem de ser exceções à regra, conclamam as mulheres a ousarem cada vez na direção de construir uma outra realidade. Uma realidade, na qual o Brasil deverá alcançar a igualdade de gênero no Parlamento Federal em 2080, de acordo com cálculos da organização sem fins lucrativos Project Management Institute (PMI).


Também entendem que é fundamental a produção de informações sobre essa dura realidade enfrentada pelas mulheres nos espaços da política representativa. Apontam que é necessário compreendermos com dados e estudos qual o tamanho e o papel que a violência contra as mulheres na política desempenha para que tenham se tornado especialistas em representação extraparlamentar. E também medir o quanto do atraso para uma representatividade igualitária, é fruto da violência machista.


Para as autoras, o que pode tornar a jovem democracia brasileira, uma democracia de fato é uma representatividade igualitária que venha a fortalecer as mulheres dentro dos espaços institucionais. O caminho pode ser através de uma reforma política justa com as minorias em representação, debate inexistente na última reforma política de 2017. Ou então, por meio de resistências microfísicas como a experiência de mandato coletivo da Gabinetona, em Belo Horizonte.


Por fim, alertam que não se pode descansar, sobretudo, frente às inúmeras retiradas de direitos nos últimos tempos. Inclusive com a extinção em 2017 da Secretaria de Política para as Mulheres criada em 2003. E que só cabe as mulheres conquistar o verbo, a voz, os espaços públicos e representativos, desafiando o alarmante prognóstico das Nações Unidas que alerta que se o ritmo de aumento da representatividade feminina continuar como está, somente daqui há quatrocentos anos haverá paridade de gênero nas assembleias legislativas.


Para reforçar as informações que apontam a brutal desigualdade das mulheres nos espaços da política nacional trazidas pelo ensaio e construir caminhos para mudar essa realidade, um trabalho coordenado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela ONU Mulheres, com o apoio da organização IDEA Internacional, apresenta estudos e levantamentos de dados sobre o tema e propõe gerar recomendações específicas e estratégicas para avançar na igualdade de gênero e acelerar a participação política das mulheres no País. O Brasil é um dos últimos países na América Latina em relação aos direitos e representação feminina, ficando em 9º lugar entre os onze países membros.


Não obstante, nas últimas eleições municipais, foi possível verificar avanços positivos nessa dura realidade que as mulheres enfrentam para ocuparem seu espaço na política representativa. Estamos iniciando 2021 e nas eleições de 2020, embora ainda tenham sido sub-representadas, perfazendo um total de 33,4% das candidaturas, os números de participação política de mulheres, bem como seus resultados nas urnas, mostraram crescimento. Segundo publicação do Senado Federal, houve um registro recorde de candidatas na disputa pelas prefeituras e câmaras municipais no último pleito.


Por outro lado, Céli Pinto, cientista política, professora emérita da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em entrevista ao jornal eletrônico Brasil de Fato, ao falar sobre a tímida presença das mulheres nos espaços de poder, chama atenção para o crescimento da presença das conservadoras na representatividade política. Afirma: “Na última eleição para deputados federais houve um aumento significativo de mulheres eleitas. Quando observamos quem foram as eleitas, verifica-se que esse crescimento foi substancialmente de partidos de direita e de extrema direita.” São mulheres filiadas pelos partidos para fazer cumprir a quota de 30% exigida por lei nas eleições proporcionais e defenderem suas ideias machistas e reacionárias.


Na mesma reportagem, Andressa Mourão Duarte, cientista social e mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), explica que há uma grande diferença entre as bandeiras e posturas das diferentes mulheres eleitas para ocuparem os espaços na política. O papel da mulher do campo da direita, vai reafirmar o poder patriarcal e a natureza da mulher construída socialmente. Enquanto isso, as mulheres de centro-esquerda e de esquerda se apresentam para dizer para os homens que as mulheres têm os mesmos direitos e isso dificulta que cresçam suas candidaturas no interior dos partidos.


Sabemos que não há uma fórmula mágica pra mudar o cenário da representatividade política nacional, num espaço de poder constituído maioritariamente de homens brancos, cis e hetero, onde muitas das mulheres que conquistam acessá-lo, são meras reprodutoras dessa lógica machista e universalizante, legalmente constituída. No entanto, estudos especializados no tema e ações de educação; resistência de ong(s) e ativismos feministas nas ruas; plataformas e assembleias virtuais; mandatos coletivos; mudanças, regulamentações e o cumprimento das leis estão produzindo avanços na construção da equidade de gênero na política. E trouxeram maior visibilidade para mulheres negras, indígenas e transsexuais, como vimos ainda de forma tímida, nas eleições de 2020. Como disse Marielle Franco, assassinada covardemente em 14 de março de 2018: “Somos nós que temos que legislar sobre nossos corpos, desejos e destinos.”


Marielle! Presente!


REFERÊNCIAS:


Agência do Senado Federal. Cresce número de mulheres candidatas e eleitas no pleito de 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/11/16/cresce-numero-de-mulheres-candidatas-e-eleitas-no-pleito-de-2020 Acesso em: mar 2021.


HOLLANDA, Heloísa Buarque de e PELLEGRINO, Antonia. Política Representativa. Explosão Feminista: arte, cultura, política e universidade. 1ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2018

PNUD Brasil, ONU Mulheres, IDEA Internacional. Atenea – Mecanismos para acelerar a participação política das mulheres na América Latina e no Caribe. Brasil: Onde está o compromisso com as mulheres? Um longo caminho para se chegar à paridade. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/09/ATENEA_Brasil_FINAL.pdf Acesso em: mar 2021.


REINHOLZ, Fabiana. Presença das mulheres na disputa por espaços de poder ainda é tímida. Jornal eletrônico Brasil de Fato. Porto Alegre, 08 nov de 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/11/08/presenca-das-mulheres-na-disputa-por-espacos-de-poder-ainda-e-timida Acesso em: mar 2021.












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