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Foto do escritorMaria Rita Soares

Qualidade do espaço público a partir da perspectiva de gênero




Como parte de nossa pesquisa sobre a dinâmica das relações das mulheres com o espaço público, desenvolvemos um artigo para participar do 9 Projetar 2019 (Curitiba - PR), que revisa e analisa comparativamente critérios de medição da qualidade urbana a partir da perspectiva de gênero.


Como grupo, consideramos que a aplicação de critérios de gênero no planejamento urbano pode contribuir para a construção de cidades mais apropriadas para as mulheres e percebemos a importância de estudar tal fenômeno e suas manifestações, em especial nos espaços públicos. Assim, dentro do escopo de uma pesquisa sobre "Como fazer cidades considerando as diferenças de gênero", que foca na experiência feminina enquanto usuária da cidade e no reconhecimento da sua importância na constituição do território, questionamos: o que configura um espaço público amigável para a mulher?


Através de um aprofundamento bibliográfico, revisamos e analisamos comparativamente critérios de avaliação da qualidade urbana adotados por diferentes grupos e autores, como Jan Gehl, Col·lectiu Punt 6 e Project For Public Spaces - PPS, a fim de estabelecer indicadores a serem aplicados para avaliar a qualidade do espaço público a partir da perspectiva de gênero, na tentativa de compreender onde se encontra e, principalmente, como se constitui o lugar da mulher na cidade.


Como encaminhamento, a partir do cruzamento dos tópicos estudados, partimos para a construção de um sistema de indicadores que, estima-se, permitam identificar diferentes formas de apropriação e experiências produzidas na cidade. De acordo com Ciocoletto (2014), a aplicação de critérios de gênero no planejamento urbano contribui para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equitativa, pois influencia a localização das atividades, a inter-relação entre elas e a qualidade dos espaços.


Jan Gehl


Gehl (2006) define o espaço público como o lugar na cidade onde ocorrem as práticas sociais. Para o autor, o sucesso das cidades depende de como os edifícios se relacionam com a escala da rua e entre si, pois sua conformação irá configurar os espaços de convívio e troca. O autor (GEHL, 2015) sistematiza doze critérios para avaliar a qualidade de uma cidade para o pedestre, ou seja, para o que ele chama de "ao nível dos olhos" e classifica e organiza tais condições consideradas fundamentais para manter as pessoas na rua em três categorias que impõem exigências diferentes ao ambiente físico: proteção, conforto e prazer. Os atributos destacados por Gehl consideram, em essência, como o usuário utiliza e se sente no espaço. Por estarem atrelados diretamente à escala local, relacionam-se com o desenho urbano e às sensações que tem capacidade de despertar, como lugares com oportunidades para caminhar, proteção contra o tráfego e acidentes, espaços sombreados e adequados à prática de atividades físicas ou brincar, por exemplo.


Project For Public Spaces - PPS


Project for Public Spaces - PPS (2019), uma organização sem fins lucrativos dedicada a ajudar as pessoas a criar e manter espaços públicos que construam comunidades mais fortes, conectando usuários, ideias, recursos e experiências, desenvolveu um mapeamento dos espaços públicos em diversas partes do mundo. Estabeleceu, a partir dessa leitura, quatro características fundamentais para avaliar os espaços públicos, reunidos em uma ferramenta denominada "The Place Diagram". Segundo o PPS, os espaços públicos são considerados saudáveis quando: são acessíveis, as pessoas desenvolvem alguma atividade específica, são agradáveis e bonitos, e caracterizam-se como locais de encontro e diversidade. O grupo reconhece a importância do grau de acessibilidade como qualidade urbana de um espaço público. Corroborando, Netto (2014) destaca que a identificação das pessoas com o lugar não se dá apenas pelo desenho do espaço, mas também por sua localização estratégica na cidade, além das condições de acessibilidade.


Col·lectiu Punt 6


O Col·lectiu Punt 6 (2019), uma cooperativa sediada em Barcelona formada por arquitetas, sociólogas e urbanistas, com o intuito de avaliar se bairros e cidades respondem às necessidades das pessoas sem causar discriminação de nenhum tipo, também aborda a qualidade do espaço público para as mulheres. Este grupo desenvolveu critérios para avaliação do espaço urbano por meio de um sistema de indicadores urbanos espaciais que aplicam a integração de gênero. Tal conjunto de elementos foi estruturado em cinco qualidades urbanas: proximidade, diversidade, autonomia, vitalidade e representatividade (CIOCOLETTO, 2014). Neste estudo, podemos destacar a valorização da memória da coletividade e a atuação popular como fundamentais para a constituição de espaços públicos inclusivos e de qualidade. Neste sentido, na esfera local, podemos citar como exemplo o modelo participativo expresso no Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/01), que estabelece uma constituição de cidade que privilegie a participação dos usuários nos processos decisórios.


Resultados


Os indicadores analisados foram elaborados sem necessariamente considerar a perspectiva de gênero. Ainda assim são abordagens reconhecidas que se encontram na literatura pertinente sobre qualidade do espaço público. Logo, na sequência, faz-se necessário verificar se tais indicadores são, de fato, importantes para compreender como se estabelece o território das mulheres nas cidades, ou seja, validá-los de forma empírica.


Pretendemos elaborar uma atividade piloto, através da qual cada um dos indicadores será validado, ou não, através da aplicação de questionários, envolvendo participantes de diferentes grupos (idade, profissão, renda etc.) na busca de resultados que possam ajudar a ampliar o debate sobre o pertencimento e a participação da mulher na construção do espaço público contemporâneo. No entanto, o atual contexto imposto pela pandemia de Covid-19 e as medidas restritivas e de quarentena tomadas pelos municípios em que atuamos, e considerando que as implicações de tal condição irão interferir sobremaneira na forma de apropriação e utilização dos espaços públicos, esta atividade ainda não foi posta em prática.


Independente do tempo, como resultados da pesquisa desejamos impulsionar estratégias de qualificação urbana de maneira a promover cidades mais apropriadas para as mulheres, com espaços públicos que demonstrem as diferenças e não as desigualdades. A partir da alteração dos papéis sociais da mulher e do reflexo de tais mudanças na apropriação do espaço público, percebe-se a urgência em incentivar o estar feminino na esfera urbana. Essa garantia, acreditamos, se dá pela construção de um espaço sem gênero ou hierarquia e pela valorização de olhares e experiências, ressignificando a construção das cidades a partir das diferentes maneiras de vivenciar o território.


Imagem: Visions for Vienna´s Ringstrasse. Disponível em: https://gehlpeople.com/blog/visions-for-viennas-ringstrasse/


Referências


CIOCOLETTO, Adriana. Espacios para la vida cotidiana - Auditoría de Calidad Urbana con perspectiva de Género. Col·lectiu Punt 6. 2014. Disponível em: <http://www.punt6.org/wp-content/uploads/2016/08/EspaciosParalaVidaCotidiana.pdf/>. Acesso em 7 de maio de 2019.


GEHL, Jan. Life between buildings: using public space. Copenhagen: The Danish Architectural Press, 2006.


GEHL, Jan. Cidades para Pessoas / Jan Gehl; tradução Anita Di Marco. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.


NETTO, Vinicius M. Cidade & Sociedade: as tramas da prática e seus espaços. Porto Alegre: Sulina, 2014.


PPS - PROJECT FOR PUBLIC SPACES. What makes a successful place? Disponível em: <https://www.pps.org/article/grplacefeat> Acesso em 14 de maio de 2019.

COL.LECTIU PUNT 6. Urbanismo feminista para la vida cotidiana - Perspectiva de género en Barcelona. Disponível em: <http://www.punt6.org/en/>. Acesso em 09 de maio de 2019.



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