Em todo o mundo, o Dia Internacional da Mulher é celebrado em 8 de março como um momento para reconhecer as conquistas das mulheres e continuar a impulsionar a luta pela igualdade de gênero e pelos direitos das trabalhadoras. Historicamente, a data refere-se à greve das operárias ocorrida em 1911, na Triangle Shirtwaist Company, na cidade de Nova York. Este evento foi um marco importante na luta pelos direitos trabalhistas e pela melhoria das condições de trabalho, especialmente para as mulheres.
Desde então, houve inúmeros embates, debates e avanços significativos em direção à igualdade de gênero. Foram alcançadas, ao longo das décadas, conquistas nas mais diversas áreas, incluindo direitos civis, participação política, acesso à educação, igualdade salarial e representação nos espaços de tomada de decisão. Mas embora o tema da equidade de gênero tenha recebido uma atenção maior nos últimos anos, ainda há muito trabalho a ser feito para que ganhe verdadeira relevância e seja tratado com a seriedade e atenção que merece. E os avanços conquistados ao longo do tempo ainda são frágeis e sob constante ataque.
Há de se concordar que a desigualdade é persistente nas relações de gênero, pois existe um estigma que as circunda, especialmente quando se tratam de identidades de gênero não conformes ou não-binárias. Existe uma resistência significativa à mudança em relação às normas de gênero já estabelecidas por instituições, estruturas sociais arraigadas e indivíduos que se sentem ameaçados pela ideia de igualdade e de diversidade.
Podemos dizer, também, que as vozes e as perspectivas das mulheres são sub-representadas ou marginalizadas, tanto nos espaços de poder, quanto de tomada de decisão. Ainda nos dias atuais, em diversas partes do mundo, não há uma conscientização e uma compreensão completa acerca dessa complexidade e das formas como o patriarcado e outras estruturas sociais afetam a vida das pessoas com base em seu gênero.
Dentro desse contexto, nosso grupo acredita que é através do fomento à educação, com a produção de pesquisas científicas, debates amplos em universidades, escolas, mercado de trabalho e sociedade em geral, que vamos chegar lá! Assim, desde 2018 nos dedicamos à investigação da dinâmica das cidades e da relação das pessoas com o espaço, com foco na experiência feminina enquanto usuária da cidade. Portanto, nosso tema de debate é a perspectiva de gênero.
E para este dia 8 de março, com o intuito de tornar o tema acessível e auxiliar na sua representatividade e ampliação, lançamos a pergunta dentro do grupo: Por que você estuda gênero? A resposta de cada integrante está descrita na sequência, reforçam a importância do dia 8 de março e revelam as diferentes dimensões e opressões a que nós, mulheres, estamos diariamente expostas.
Raquel Pahim: Estudo gênero porque acredito que a compreensão das desigualdades sociais e espaciais é essencial para a construção de uma sociedade justa. O sistema a que estamos submetidas atua fortemente para contribuir com a exploração dupla e tripla da mulher, além de naturalizar a violência de gênero no nosso dia a dia. Isso gera uma barreira para apropriação, acessibilidade e mobilidade feminina no espaço público urbano. Por isso, estudar gênero é fundamental para transformar as cidades, as relações, a nós mesmas e a estrutura em que estamos inseridas.
Laís Leão: Estudo gênero porque, infelizmente, ainda não nos cabe a opção de não fazê-lo. Quando você é mulher, tudo é político. Para mulheres pesquisadoras, nosso posicionamento acadêmico é diariamente político. As limitações e obstáculos aos quais somos, como mulheres diversas, sistematicamente submetidas ao utilizar o espaço urbano faz com que este espaço não seja, de fato, universal. Sem a característica básica e intrínseca da universalidade, é impossível dizer que nosso trabalho como urbanistas seja de fato eficiente se não tratarmos as questões de gênero, raça e classe de forma intencional e transversal. Estudo gênero porque, se não me debruçar sobre nossas desigualdades, seria uma urbanista pela metade. E às mulheres não cabe fazer nada pela metade.
Agnes Araújo: Cada indivíduo experimenta a cidade de uma forma, na minha opinião. Essa experiência é perversa para as mulheres, pessoas trans, se comparada às experiências de homens. Essa perversidade se apresenta de inúmeras formas, um exemplo seriam as táticas adotadas pelas mulheres para se preservar de violências, que por sua vez, afetam a mobilidade e a acessibilidade urbana da mulher. Ao ignorar as diferenças de gênero, estamos negligenciando um importante elemento estruturante do espaço urbano e dos processos urbanos que afetam diretamente a vida desses indivíduos. O que não poderia ser negligenciado.
Andréa Viana: Acredito que o estudo de gênero seja justificado em vários aspectos. De maneira bastante simplificada, o primeiro seria para esclarecer que gênero e orientação sexual não são a mesma coisa, e que, partilho do entendimento de que gênero seja uma construção social, que estabelece que homens e mulheres devam se comportar de uma determinada maneira. O segundo aspecto, seria que estudando gênero, podemos questionar e desmistificar estes papeis sociais atribuídos a um conceito binário de feminino e masculino. Já tarda o reconhecimento da existência de muitas pessoas que não se enxergam como homem ou mulher, ou seja, são não-binárias, e que estas pessoas têm os mesmos direitos das demais. Entendo que seja uma discussão complexa, que exige reflexão e, principalmente, desconstrução de crenças e preconceitos que herdamos de outras gerações. Porém também entendo, que seja uma discussão urgente, pois vivemos em uma sociedade com índices inaceitáveis de violência contra mulheres e não-binários, com desigualdades civis e econômicas que se perpetuam pela aceitação do que é socialmente aceito como ser mulher e ser homem.
Geisa Bugs: Estudo gênero porque, de modo geral, as necessidades e experiências das mulheres não são consideradas no pensamento e na construção das propostas de intervenção urbana. A importância de mudar esta visão, que passa não só pela inclusão das mulheres mas também de outros grupos negligenciados, parte do entendimento de que uma cidade inclusiva para elas é também para todos, pois significa satisfazer necessidades básicas. Mas, sobretudo, percebo a urgência da luta para promovê-las enquanto sujeitas de direito no âmbito da sociedade patriarcal.
Maria Rita Soares: Eu estudo gênero para entender o meu lugar, para compreender a história das minhas avós, da minha mãe, das minhas tias. Eu estudo gênero para garantir espaços e direitos para minha irmã, para as minhas amigas e para outras tantas mulheres que eu nem ao menos conheço. Estar imersa na pesquisa sobre gênero é lutar, diariamente, para manter direitos já conquistados, é enfrentar o preconceito velado. Tratando-se da minha área de atuação profissional, no âmbito do planejamento urbano, o pensamento feminista auxilia a dar visibilidade a identidades marginalizadas, além de suporte para a compreensão da relação entre os diferentes tipos de opressões de raça, classe, gênero e sexualidade no espaço da cidade. Eu estudo gênero, sobretudo, para ter voz. E quem sabe um dia ser ouvida.
Kátia Oliveira: No Brasil, o racismo, o machismo, a misoginia, a importunação sexual e a LGBTQIA+fobia, discriminam, inferiorizam, invisibilizam, adoecem e vitimam diariamente um grande número de pessoas. Embora haja muito por fazer, há alguns anos, todas essas violências vêm sendo amplamente divulgadas, denunciadas, combatidas e, paulatinamente, criminalizadas. Foi como professora no curso de Arquitetura e Urbanismo que fui instigada por estudantes e colegas a me envolver de forma mais aprofundada acerca das desigualdades e violências de gênero e raça, quando começaram a aparecer nos Trabalhos de Final de Graduação e nas disciplinas de Urbanismo projetos de equipamentos urbanos ligados a esses temas; nas críticas das estudantes sobre a história e teoria da arquitetura e do urbanismo somente falar de profissionais homens/brancos e também quando fui convidada a participar das discussões do grupo EN.T.RE. Desde então, venho buscando estudar sobre gênero e suas interseccionalidades (raça, classe, sexualidade, geopolítica, etc.) e sobre o urbanismo feminista a fim de estar melhor preparada para atuar individual e coletivamente na transformação dessa realidade.
Rafael Bosa: Estudo gênero pois acredito ser fundamental para entender as relações que estabelecemos enquanto sociedade, as subjetividades, as formas de estruturas sociais que estão postas e quem delas se beneficiam. Estudar e procurar entender gênero gera liberdade e transformação. Esse conhecimento nos permite retirar os filtros que são colocados nas relações de poder e, nos leva à um processo de desnaturalização das performances do que é “ser mulher” e do que é “ser homem” (marcadores sociais) que estruturam nosso mundo e são passados de geração em geração. Como por exemplo: mulheres usam rosa, mulheres nascem com o “dom” de cuidar e de maternar, mulheres falam muito, mulheres são emotivas e tem menor desejo sexual; já os homens são quem “provém”, homens não expressam sentimentos, homens usam azul, homens são mais agressivos, homens têm mais desejo sexual. Essas formas de interpretar ou nem pensar sobre gênero retroalimentam a violências física, psicológica, sexual e patrimonial contra as mulheres, a LGBTQIAPN+fobia, as altas taxas de suicídio entre os homens, mulheres com cargas de trabalho exaustivas e não remuneradas, dentre muitas outras consequências. Isso tudo traz a falsa ideia de binaridade, ou seja, a ideia que só existem duas formas de ser e estar no mundo. Estudar gênero nos abre o horizonte para compreender e enxergar possibilidades diferentes de ser e existir no mundo. Estudar gênero nos traz a capacidade de imaginar, questionar e modificar esse mundo tão desigual. Estudar gênero certamente nos move em direção a um dos maiores de todos os conhecimentos, o autoconhecimento.
Ísis Veríssimo: Parte de mim sempre questionou a binaridade que a sociedade em que vivemos impõe para tudo, como o “bem x mal”, “bom x ruim”, “ser humano x natureza”, e claro, “homem x mulher”, entre outros. Para mim, nunca fez tanto sentido essa dicotomia que parte da visão de que um se sobrepõe ao outro, primeiro porque entre um e outro tem um universo de tantas outras coisas que parecem ser ignoradas, e dessa ignorância as várias pessoas que não se encaixam nesse padrão socialmente estabelecido sofrem com a opressão de se enquadrar. E segundo porque os animais, os rios, a natureza, os indígenas, os quilombolas, ou, como no meu caso, as mulheres se veem submissas nesse sistema dicotômico e patriarcal, e também sofrem com essas questões de opressão. Virar vegetariana e estudar gênero são, para mim, a forma que encontrei de buscar respostas para esses questionamentos e também poder sonhar com um mundo sem dicotomias, ou ao menos, pensar em formas de como reduzir os impactos na cidade, na sociedade, para que essas pessoas cada vez mais conquistem o seu direito à cidade.
Dayana de Córdova: Meu primeiro encontro com estudos feministas foi na antropologia, quando aprendi o quanto ela é uma disciplina tradicionalmente referenciada em homens estudando homens. Lia, por exemplo, na antropologia clássica, estudos sobre parentesco falando do casamento como trocas de mulheres e sentia um incômodo, mas como isso não parecia gerar desconforto entre colegas, deixava ele passar. Até que encontrei as palavras de uma antropóloga feminista, chamada Marylin Strathern, que se perguntava: e da perspectiva das mulheres, se troca o que no tal do casamento? Se as desigualdades produzidas a partir do gênero já estavam presentes na teoria social que eu estudava, experienciar assédios sexuais na universidade, relações amorosas abusivas e, principalmente, me tornar mãe (de duas meninas), me mostraram e me mostram de uma maneira muito radical, no meu corpo, no das minhas filhas, na minha carreira, no meu estar no mundo o quanto nosso gênero nos afeta. Mergulhar cada vez mais profundamente nos estudos de gênero se tornou inevitável.
Referências:
Por que 8 de março é o Dia Internacional da Mulher? Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/carta-explica/por-que-8-de-marco-e-o-dia-internacional-da-mulher/.
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