A mobilidade e a acessibilidade devem ser vistas como direitos importantes de todos os cidadãos, mas esses direitos são, por vezes, comprometidos para as mulheres que enfrentam constrangimentos físicos, econômicos, culturais e psicológicos (Loukaitou-Sideris, 2016)
No artigo ‘A gendered view of mobility and transport: next steps and future directions’ de 2016, a professora de planejamento urbano da UCLA, Anastasia Loukaitou-Sideris fornece uma visão geral da literatura do Norte e do Sul Global sobre gênero no transporte e na mobilidade. Ela se baseia na teoria feminista para discutir os padrões de mobilidade caracterizados por gênero e analisar como as necessidades de transporte das mulheres são diferentes das dos homens, devido a preocupações de segurança, normas socioculturais e acesso diferenciado a meios de transporte privados.
A inclusão de gênero na mobilidade urbana parte da noção de que as mulheres possuem diferentes necessidades de trajetos do que os homens. Em geral, homens são mais propensos a fazer viagens pendulares (casa-trabalho) ou relativamente mais simples. Enquanto as mulheres têm padrões de viagem mais complexos, são mais propensas a fazer viagens encadeadas (trip-chaining), caminhar, usar o transporte público e a a fazer mobilidade de cuidado (mobility-care) (Sánchez de Madariaga, 2013; Criado Perez, 2019).
Outra questão é o zoneamento monofuncional de atividades que muitas cidades possuem, que obriga os habitantes a percorrerem grandes distâncias para acessar seus compromissos. As mulheres geralmente precisam viajar para diferentes atividades, além das remuneradas, como escola, cuidado com idosos, e compras, e a distância entre elas torna o encadeamento das viagens mais difícil, levando mais tempo. As condições ruins do transporte público e do transporte ativo (pedestres e ciclistas) nos países em desenvolvimento, como o Brasil, também dificultam a mobilidade da maioria das mulheres, em especial aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Ainda, as mulheres sentem medo de transitar em determinados lugares da cidade, pelo sentimento de vulnerabilidade, marcado pela ameaça de delitos relacionados com o sexo, o que acaba por determinar seus movimentos rotineiros no espaço urbano. Toda mulher tem histórias de que fez um caminho mais longo para ter certeza de que estava realmente sozinha ou de que saiu do metrô ou do ônibus em parada distante porque temia estar sendo seguida (kern, 2019).
A Tabela abaixo é uma síntese dos principais problemas de mobilidade apontados por Loukaitou-Sideris (2016). Apesar das mulheres do Norte Global estarem em um contexto diferente das mulheres do Sul Global, as barreiras/dificuldades são semelhantes.
Para a autora, as políticas e programas falham em incorporar as questões de gênero, pois muitas agências não separam os dados por sexo, e não distinguem atividades de trabalho/compras/lazer. As políticas de integração de gênero dependem da coleta e análise de dados desagregados para que se possa compreender a relação entre gênero e mobilidade. A lacuna de dados de gênero é consequência da falta de interesse em atender as demandas desses públicos. Parte dessa desconsideração também tem raiz na escassez de mulheres em posições centrais na formulação de políticas e no planejamento urbano e de mobilidade urbana (Loukaitou-Sideris, 2014).
Loukaitou-Sideris (2016) aponta que não existem soluções fáceis ou respostas únicas para um fenômeno que é persistente e resultante de normas socioculturais, fatores econômicos e perceptivos. Diante disso, descreve direções futuras para orientar o que precisa acontecer para que a mobilidade das mulheres aumente e para que os obstáculos diminuam. A autora aponta quatro âmbitos neste sentido: pesquisa, desenho urbano, política de transporte e tecnologia, mas destaca que a escala e a natureza das mudanças devem ser estruturais, adaptadas a contextos socioespaciais específicos.
A inclusão da perspectiva de gênero nas pesquisas sobre mobilidade é essencial para o desenvolvimento de políticas sensíveis à questão, segundo a autora. Para o desenho urbano, considera que um projeto adequado pode melhorar o acesso às comodidades do bairro, encurtar a duração das viagens e torná-las mais confortáveis. Quanto às políticas de transporte, afirma que devem ser desenvolvidas por todas as esferas de governo. Já a tecnologia tem influência significativa nos padrões de mobilidade, pois afeta a maneira como as pessoas se movem, se comunicam e acessam os outros. A tecnologia pode melhorar as desigualdades ou agravá-las ainda mais.
Imagem: Padrões de viagem ITDP (2008)
REFERÊNCIAS
Criado Perez, C. (2019). "Chapter 1: Can snow-clearing be sexist?" In: Invisible women: data bias in a world designed for men. Abram Press, New York.
Kern, L. (2019). Feminist City : A Field Guide. ISBN 9781771134576. Toronto. Between the Lines, 2019.
Loukaitou-Sideris, A. (2016). A gendered view of mobility and transport: Next steps and future directions. Town Planning Review, 87(5), 547-565. Doi:10.3828/tpr.2016.38.
Loukaitou-Sideris A. (2014) Fear and safety in transit environments from the women’s perspective. Security J 27(2):242–256.
Sánchez de Madariaga, I. (2013) ‘Mobility of Care: Introducing New Concepts in Urban Transport’, in Roberts, Marion and Sánchez de Madariaga, Inés (eds.) (2013), Fair Shared Cities: The Impact of Gender Planning in Europe, Farnham.
Comments