Esse breve texto vem com o objetivo de introduzir alguns pontos do que se entende como extrativismo e seus impactos, entendendo-os como ponto de partida para o aprofundamento, compreendendo suas diversas modalidades e complexidade e que um único texto não é suficiente. Também com a intenção de semear a inquietude, para que as pessoas que se interessarem por compreender o funcionamento da lógica extrativista na América Latina e os impactos gerados possam, quem sabe, contribuir para a ação.
As mulheres vêm vivendo múltiplas violências em seus corpos e territórios devido ao modelo de desenvolvimento capitalista extrativista imposto ao Sul global nas últimas décadas. Um tipo de desenvolvimento que entrega o território às grandes empresas de hidrocarbonetos, de megamineração, hidroelétricas e de monoculturas sem respeito às populações locais e aos povos originários (SILVA, 2017).
O extrativismo, a partir dos anos 90, começa se aprofundando como prática nos países da América Latina, trata-se da extração de recursos naturais, em grande volume e alta intensidade, exportados como matérias primas sem processar ou com um processamento mínimo (GUDYNAS, 2015). Além disso, como aponta Gudynas (2015, p. 426), é um dos principais fatores de reestruturação territorial, impactos ambientais a grande escala e efeitos sociais, políticos e econômicos mais amplos.
O extrativismo, como base do sistema capitalista vem estabelecendo uma divisão internacional do trabalho, que atribui a uns países o papel de importadores de matérias primas para serem processadas e a outros o de exportadores; esta divisão é funcional exclusivamente ao crescimento econômico dos primeiros, sem nenhum reparo na sustentabilidade dos projetos, nem na deterioração ambiental e social gerados nos países produtores de matérias primas (FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO, 2013 apud CARVAJAL 2016, p. 9, tradução minha).
E através dessa prática econômica que defende o “desenvolvimento” para promover interesses exportadores, os governos apostam no extrativismo focado em atividades que exploram desenfreadamente os recursos naturais em territórios específicos. Propagam discursos autoritários de crescimento econômico e progresso, partindo de uma visão local contendo uma dimensão global no seu processo.
Dessa forma essas lógicas produzem sentidos comuns como forma de controle, criando uma série de mitos e ideias força, que não dão espaço para oposições e articulam em perfeita harmonia com as necessidades do corporativismo extrativista (SILVA, 2017).
É disseminada uma maneira de entender o mundo totalmente funcional aos seus interesses, difundindo discursos desde o topo das hierarquias do “conhecimento técnico”, negando qualquer questionamento. Além disso, o extrativismo é um modelo que atravessa as polarizações políticas esquerda-direita que difundem esses discursos em prol do progresso e desenvolvimento, mediante os esforços dos seus técnicos, as promessas de seus políticos, as inverdades publicitárias (oficiais e informais). Também através da repressão com suas forças de segurança para controlar a população que os questiona, assim fortalece esse sentido comum e a eficiência desses métodos e visões que são alcançados nos territórios onde se implantam as indústrias extrativas. Os recursos naturais são percebidos como elementos para servir sem restrições de uso ao homem (branco, eurocêntrico e heterossexual).
Existe uma cegueira produzida pela conexão do patriarcado com o capitalismo extrativista, que fazem com que os impactos gerados pelo extrativismo, que afetam de maneira particular as mulheres, muitas vezes não sejam percebidos pelos que discordam e questionam ao extrativismo, contribuindo com a construção de cenários de assimetria social (SILVA, 2017).
Partindo do entendimento dos territórios segundo o Colectivo Miradas Críticas del Territorio desde el Feminismo (2017, p. 68), como espaços de vida social e corporal, mais além do entendimento como espaços geográficos e biofísicos, compreende-se que as atividades extrativas estão associadas a processos de (re)patriarcalização dos territórios, essas atividades se associam a masculinização do espaço e da tomada de decisão, aumento da violência machista, ao reforço dos estereótipos sexistas (homem provedor e mulher dependente) e a rearticulação dos papéis de gênero. Para viabilizar projetos extrativos, as decisões que afetam os territórios e as comunidades são tomadas por sujeitos brancos, burgueses, adultos, heteronormativos (COLECTIVO MIRADAS CRÍTICAS DEL TERRITORIO DESDE EL FEMINISMO, 2017).
A estratégia do Estado para persuadir e/ou impor as opções extrativistas começa com uma lógica de aproximação individual de interlocução masculina, excluindo as mulheres das tomadas de decisão sobre seus territórios e vidas, debilitando a negociação coletiva. Por meio de aparente legalidade, as empresas desapropriam de suas terras, agricultores, comunidades indígenas e quilombolas para se impor sobre os territórios, o que gera um profundo reordenamento das economias comunitárias de autossuficiência para uma economia assalariada, um instrumento de dependência em comunidades que anteriormente garantiam seu sustento material de forma autônoma, “uma imersão forçada a economia capitalista que invisibiliza os saberes e práticas ancestrais” (CARVAJAL, 2016, p. 33) .
Os projetos extrativistas também podem resultar em deslocamentos para outras cidades, quando privam às mulheres de suas terras, obrigam às mulheres a mudar para outras cidades, onde não recebem auxílio para desenvolver habilidades necessárias para que possam se manter e a seus filhos em um ambiente totalmente diferente. Dessa maneira as mulheres experimentam pobreza extrema, severa discriminação, exploração laboral, prostituição e violência sexual (NAÇÕES UNIDAS, 2014 apud SILVA, 2017, p. 37).
Quando as empresas penetram nesses territórios provocam a chegada massiva de trabalhadores homens de fora das comunidades e junto com os processos de militarização, masculinizam esses territórios, o que comporta novos sentimentos as mulheres como medo e insegurança, provoca um isolamento social e confinamento no espaço doméstico. São introduzidas novas formas de ócio, resultado das atividades extrativas, que fazem aparecer prostíbulos, associados ao trabalho sexual forçado de mulheres, muitas vezes, serve para a canalização do estresse da força de trabalho masculina e a acumulação de capital.
A masculinização do território também demanda uma série de serviços como, alimentação, limpeza do lar e de vestimenta, cuidados relacionados a saúde, entre outros. O que auxilia no aprofundamento da divisão sexual do trabalho, com tarefas e serviços tradicionalmente realizados por mulheres. Essas empresas extrativas através das suas ações provocam a contaminação da terra, ar e água, que incidem na perda de biodiversidade e agrobiodiversidade drasticamente, algo de suma gravidade para as mulheres que frequentemente se encarregam da produção de alimentos para o autoconsumo. Também com o estabelecimento das empresas e o início das atividades aparecem novas doenças respiratórias, cutâneas, auditivas e outras derivadas das atividades mineras, petroleiras e de fumigação das monoculturas, que aumentam os índices de abortos espontâneos, gravidez de risco, entre outras numerosas enfermidades (CARVAJAL, 2016).
Os impactos negativos gerados pelo extrativismo são inúmeros, afetam toda uma comunidade de vida e violam todo o tipo de direitos, as escalas são múltiplas e os impactos se sentem em todos os lugares. É necessário o nosso envolvimento e preocupação, mesmo que estejamos longe desses territórios. Questionar essas lógicas e modelos de desenvolvimento capitalistas pode ser um primeiro passo para ação.
Imagem: Jacinto Teles/JTNEWS
Referências:
Colectivo Miradas Críticas del Territorio desde el Feminismo (2017). (Re)patriarcalización de los territorios. La lucha de las mujeres y los megaproyectos extractivos. Ecología política, 54: 67-71.
Silva Santisteban, Rocío (2017) Mujeres y conflictos ecoterritoriales. Lima: Entrepueblos, AIETI, Demus Estudios para la defensa de los derechos de la mujer, CMP Flora Tristán y Coordinadora Nacional de Derechos Humanos.
Gudynas, Eduardo (2015) Extractivismos. Ecología, economía y política de un modo de entender la naturaleza. Lima, Redge-CLAES-PTDG-Cooperacción.
Carvajal, Laura M. (2016). Extractivismos en América Latina. Impactos en la vida de las
mujeres y propuestas de defensa del territorio. Bogotá: Fondo de Acción Urgente (FAU)-
América Latina.
Maristella Svampa fala sobre o Extrativismo e sua resistência na América Latina
Eduardo Gudynas fala da violação de direitos pelo extrativismo
Carta da Terra - Princípio 01 - RESPEITO E CUIDADO DA COMUNIDADE DE VIDA
Disponível em: https://cartadaterrainternacional.org/leia-a-carta-da-terra/respeitar-e-cuidar-da-comunidad-da-vida/
Ótimas as reflexões trazidas Isadora! Questionar essas lógicas e modelos de desenvolvimento capitalistas (patriarcais e heteronormativas) é um importante passo para ação! Sigamos!