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Foto do escritorPhamela Alves

Infâncias urbanas: Construindo cidadania


Como adultos, consideramos natural poder usar, caminhar, e se movimentar pela cidade por conta própria e ser independentes, mas será que para as crianças é assim também? O conceito de infância é fundamentado no pensamento de que as crianças são seres vulneráveis, dependentes e incapazes. Este pressuposto contribuiu para a estruturação do cotidiano e do modo de vida das crianças e é referência para a construção de instituições focadas no cuidado e na educação infantil.


Essa progressiva institucionalização da educação infantil, criada pelo Estado como uma forma de separação formal pautada em uma ideia ilusória de proteção, fez com que a função educadora fosse delegada, prioritariamente, às escolas. Mas, no fundo, segundo as autoras Dias e Ferreira (2015), esse processo é uma forma de disciplinar as crianças e de adestrar um futuro adulto. Nesse cenário, em que a criança é civilizada pela instituição, ela é vista como uma peça de reposição a ser incorporada ao modo de vida socioeconômico contemporâneo. Em consequência deste regime, cada vez mais as atividades infantis ocorreram em contextos formais e organizados.


O condicionamento das crianças a uma rotina que abrange casa, escola e alguma outra atividade extracurricular, na qual seus trajetos são feitos em carro ou transporte público, constrói uma geração envolvida em bolhas cujas possibilidades de recreação e autoexpressão foram limitadas pelos altos níveis de controle dos pais e pelo desenho urbano que não as considera (CHRISTENSEN; O’BRIEN, 2003; SIPE, 2006). Esse confinamento da infância em espaços socialmente estratificados e regidos por adultos, nega às crianças a possibilidade de conhecer o espaço urbano no qual estão inseridas.


Esta visão da infância, que silencia as crianças, produz um consenso social de que não é natural a participação delas na tomada de decisões e, muito menos, que elas possuam direitos políticos (DIAS; FERREIRA, 2015). Embora representem uma parcela significativa da sociedade, as crianças são totalmente excluídas do processo de planejamento. Assim, os desejos, as subjetividades e as necessidades das crianças são ignoradas no processo de produção do espaço urbano. Em contraste, a Sociologia da Infância defende que crianças são sujeitos de direitos, que possuem vontade e racionalidade e são protagonistas de suas histórias de vida, e devem ter o direito de opinar acerca da realidade em que vivem (SABBAG; KUHNEN; VIEIRA, 2015; SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS, 2017).


A linguagem de aprendizado da criança é o brincar, o movimento, o estar ao ar livre. Uma cidade que não integra a infância deixa de ser atrativa às crianças pois não proporciona espaços públicos para lazer e recreação de qualidade. Espaços lúdicos que encorajam a interação podem ser benéficos para o bem-estar biopsicossocial da criança e para estimular o exercício e o desenvolvimento de sua cidadania (DIAS; FERREIRA, 2015; SIPE, 2006). Assim, há a necessidade de recuperar a cidade e seus espaços livres como um lugar para desenvolver relações e interações sociais, jogar e brincar.


Os problemas cotidianos das cidades tornam-se mais evidentes com a crescente urbanização, assim como a adaptabilidade das cidades aos hábitos, aos horários e às necessidades do público adulto em detrimento do público infantil (EIRAS, 2016). A cidade é um espaço de múltipla diversidade. Nela há inter-relação entre indivíduos, em um processo complexo e dinâmico, na qual atribui-se sentidos ao espaço urbano, auxiliando na formação da identidade pessoal e social de quem a vivencia, de maneira que o espaço urbano passa a ser ressignificado como espaço de cidadania.


Ao vivenciar a cidade, a criança desenvolve a legibilidade do espaço urbano, o sentimento de pertencimento, as relações sociais e identidade cultural. Ao mesmo tempo que contribui para o desenvolvimento de crianças mais seguras emocionalmente, vivenciar um espaço urbano de qualidade as confere autenticidade enquanto cidadãs (EIRAS, 2016; MALHO, 2003). O cidadão se apropria do espaço urbano, nas suas práticas cotidianas, quando há integração - no caso, das crianças - em processos participativos e decisórios acerca da vida urbana e da disponibilidade de espaços urbanos de qualidade com o qual ele se identifique. Quando isso acontece, o espaço urbano deixa de ser um espaço físico e é ressignificado como um espaço vivido, um lugar. E utilizar, os espaços urbanos cotidianamente, potencializa a cidadania e urbanidade, das crianças (DIAS; FERREIRA, 2015).


Dias e Ferreira (2015) defendem que é fundamental compreender que a infância é múltipla e que ela pode ser tanto produto como produtora de cultura. É importante considerar esse olhar no processo de planejar, projetar e gerenciar cidades acolhedoras às crianças. Logo, priorizar a infância ao planejar uma cidade não é difícil, o difícil é lembrar das crianças e escutá-las quando as políticas estão sendo elaboradas. Pensar cidades a partir da perspectiva das crianças significa também pensar a partir da perspectiva da família como um todo, isso abrange aqueles que os acompanham diariamente na cidade, pais, familiares e cuidadores (SABBAG; KUHNEN; VIEIRA, 2015). Em geral, a responsabilidade por esse cuidado diário recai sobre as mulheres da família. O que significa que a vivência da criança com o espaço urbano está diretamente relacionada com as práticas sociais e culturais das mães. Assim, a cidade que respeita às necessidades das crianças são cidades que respeitam o ritmo e as necessidades de vários outros grupos sociais.


Palavras chave: Espaço urbano; Infâncias urbanas; Cidadania.

Fonte da imagem: Foto tirada pela autora.

Referências

CHRISTENSEN, P. (ORG.); O’BRIEN, M. (ORG.). Children in the city: home, neighborhood and community. Londres: Routledge Falmer, 2003.


DIAS, S. M.; FERREIRA, B. R. Espaços públicos e infâncias urbanas: a construção de uma cidadania contemporânea. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 17, n. 3, p. 118–133, 2015.


EIRAS, C. S. P. Autonomia, mobilidade e percepção espacial das crianças e jovens. Dissertação de Mestrado—Braga: Universidade do Minho, 2016.


MALHO, M. J. A criança e a cidade: Independência de mobilidade e representações sobre o espaço urbano. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2003.


SABBAG, G. M.; KUHNEN, A.; VIEIRA, M. L. A mobilidade independente da criança em centros urbanos. Interações (Campo Grande), v. 16, n. 2, p. 433–440, 2015.


SARMENTO, M. J.; FERNANDES, N.; TOMÁS, C. Figuras da criança na sociologia da infância em Portugal. Sociedad e Infancias, v. 1, p. 39–59, 2017.


SIPE, B. Reinstating kids in the city. Em: GLEESON, B.; SIPE, N. (Eds.). Creating Child Friendly Cities: Reinstating kids in the city. Abingdon: Routledge, 2006. v. 73p. 1–10.

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