Atualmente, há um crescente retorno de teóricas feministas à ideia de que compreender a sociedade capitalista é fundamental para entendermos as formas atuais de subordinação das mulheres e as lutas feministas para superá-las. Esse renovado interesse na relação entre feminismo e capitalismo suscita diversas questões complexas sobre o próprio capitalismo e o socialismo como alternativa, os desafios enfrentados pelo feminismo em ambos os sistemas e como ambos desafiam o movimento feminista.
Algumas questões se colocam: Como podemos caracterizar as desigualdades de gênero historicamente construídas em sociedades capitalistas? Como as desigualdades de gênero se entrelaçam com outras formas de dominação, como a exploração de classe, o imperialismo predatório, a dominação racial e étnica e a devastação ecológica? As teorias socialistas-feministas, que se concentram na organização social do trabalho, conseguem abordar adequadamente as desigualdades de gênero relacionadas à sexualidade, status e aspectos psicológicos?
As discussões têm se centrado em diferentes interpretações sobre o trabalho doméstico e de cuidado. Desde a queda do Bloco Soviético outras teorias científicas feministas apareceram baseadas no grande tema da Globalização e exploração das mulheres (a partir do trabalho doméstico e de cuidado, mas não só), da natureza e do Terceiro Mundo para geração de valor. Embora o ponto de partida das teorias feministas fosse inicialmente Marx, existe uma variedade de orientações, com referências teóricas neoclássicas, institucionalistas e também ainda marxistas.
Rosewitha Scholz (2011, 2013) discute que muitas destas têm uma perspectiva reformista, invocando os tratados internacionais de direitos humanos e ética social feminista (Sabine Plonz), preconizando uma economia para o cuidado e a sustentabilidade (Biesecker/Hofmeister), e apontando para a necessidade de intervenção político-estatal no mercado financeiro tanto em nível nacional quanto internacional (Brigitte Young). Os impulsos de emancipação feminista, e o projeto utópico, obstinado e independente não figuram nestas perspectivas. Desvia-se o olhar da necessidade de uma reorganização interna da economia moderna (com uma perspectiva revolucionária e emancipatória) para as relações entre economia-democracia e a busca de novas formas de coordenação do mercado pelo Estado.
Diante deste cenário, Rosewitha Scholz afirma que nenhuma das teóricas feministas mencionadas acima, entre outras não citadas (Silke Chorus, Irene Dölling etc.) se ateve a tematizar radicalmente “gênero” e “dissociação-valor” como relação de base essencial para compreender o patriarcado capitalista e pensar num impulso emancipatório de transformação da sociedade. Para a autora, “dissociação” seria uma mediação dialética na qual determinadas qualidades são menosprezadas (sensualidade, emotividade etc.), atribuídas à mulher e separadas do sujeito masculino. Na relação de gênero capitalista deve-se levar em consideração a dimensão da psicologia social e a dos símbolos culturais. É especialmente nestes níveis que o patriarcado capitalista se revela como um todo social (SCHOLZ, 2011).
A autora afirma ainda que essa dissociação-valor do feminino foi necessária ao desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo e conduziu ao modelo de gênero moderno clássico e a “dona de casa”. No entanto, o capitalismo contém contradição em processo que chegando ao seu limite se apresenta da seguinte forma: as mulheres foram inseridas no âmbito da produção, exercendo atividades profissionais (em decorrência da revolução técnica e microeletrônica, processos de desemprego, pressão sobre os salários e redução do poder de compra), e nos homens também surgem tendências de “transformação em dona de casa” (déficit nas atividades de reprodução), pois as mulheres já não podem fazer essas atividades por estarem duplamente sobrecarregadas. Central aqui é que as próprias mudanças nas relações de gênero sejam entendidas na sua dinâmica histórico-processual a partir dos seus mecanismos e estruturas.
É preciso apontar, também, que Rosewitha Scholz não coloca a crítica da dissociação-valor como absoluta, afirmando que faz parte de toda a sua essência dar lugar a “outros Outros” (crítica do racismo, do antissemitismo, do anticiganismo, da homofobia/hostilidade aos transsexuais etc.), pois não se comporta como universalista, apesar de estar relacionada com o entendimento da totalidade.
Fonte da imagem: https://qgfeminista.org/wp-content/uploads/2020/03/feminismo_0141.jpg
REFERÊNCIAS
BIESECKER, A.; HOFMEISTER, S. Reinventando o económico. Uma contribuição da teoria da (re)produção para a ecologia social, München, 2006.
CHORUS, S. Aspectos do care na economia política. In: Das Argument, n. 292. p. 392 – 401, 2011.
DÖLLING, I. Modos de socialização para lá do paradigma do trabalho. In: Kurz-Scherf, Ingrid/Scheele, Alexandra (org.). Poder ou direito económico? Sobre a relação entre crise e gênero, Münster, p. 276 – 289, 2012.
PLONZ, S. Mais-valia e dimensão humana. O significado ético do debate sobre o care económico feminista. In: Das Argument, n. 292, p. 365 – 380, 2011.
SCHOLZ, R. O sexo do capitalismo. Teorias feministas e a metamorfose pós-moderna do capital, Berlim, 2011.
SCHOLZ, R. Feminismo – Capitalismo – Economia – Crise. Objecções da crítica da dissociação-valor a algumas abordagens da atual crítica feminista da economia. Berlim, p. 77-117, 2013.
YOUNG, B. Dois mundos separados? Economia financeira e estudos de gênero. In: Kurz-Scherf, Ingrid/Scheele, Alexandra (org.). Poder ou direito económico? Sobre a relação entre crise e de gênero. Münster, p. 36 – 52, 2012.
Comments