Ao discutir sobre feminismos é comum nos depararmos com a frase “não é meu lugar de fala” vinda de homens. Homens que querem colaborar e saber mais sobre o assunto, porém por receio de ultrapassar barreiras, interpretam o conceito de lugar de fala como proibitivo. Essa frase gera questionamentos e reflexões.
O senso comum é de que lugar de fala significa que apenas quem vivencia aquela dor teria legitimidade para debatê-la. Esta mentalidade atrela à experiência a permissão para falar sobre um determinado assunto. Assim, homens não poderiam falar sobre mulheres ou sobre feminismos. Em um mundo patriarcal esse padrão de pensamento faz com que o debate se restrinja a um grupo - apenas mulheres falam de feminismos. Consequentemente, só um grupo isolado defende a teoria, que pode ser facilmente descredibilizada e silenciada.
O conceito de lugar de fala surgiu a partir da teoria feminista negra, ao questionar quem pode falar em uma sociedade na qual o discurso legitimado é do homem branco, cis, heterosexual, e sobre como incluir outras vozes, que não aquela vista como norma, nas discussões de poder, explica Djamila Ribeiro (2017). O conceito expõe o fato de que toda fala vem de um lugar social, toda fala carrega uma bagagem, um repertório, ou seja, toda fala tem sexo, gênero, raça, cor, idade, escolaridade... Quando falamos de lugar de fala estamos falando de localização de poder dentro de uma estrutura social e isto é distinto de protagonismo, vivência, experiência. O lugar de fala é, portanto, uma ferramenta de análise do discurso.
Entendemos que é muito importante ter pessoas discutindo sobre feminismos em todos os lugares e, sendo assim, é necessária a inclusão dos homens no debate feminista. Mas vale lembrar que é sempre importante analisar os discursos vinculados ao lugar social. Conforme Chimamanda Adiche (2014), o feminismo é essencial para libertar homens e mulheres, pois: “meninas poderão assumir sua identidade, ignorando a expectativa alheia, mas também os meninos poderão crescer livres, sem ter de se enquadrar em estereótipos de masculinidade.”
Uma pergunta que vem à mente quando pensamos o lugar do homem no feminismo é: “O feminismo é feminino?” É a própria pluralidade de interpretações da pergunta que parece ser necessária e urgente, e não respectivamente a resposta. Perguntar-se sobre o caráter feminino do feminismo, segundo Pedro Ambra (2021) é, ao mesmo tempo, retornar às teses clássicas que denunciam o lugar da mulher na sociedade e questionar a própria concepção do que é a mulher. Muito além de tentar formular uma resposta pronta, não se trata de elencar posições em um movimento que luta pela igualdade social dentro de uma sociedade patriarcal, e sim, definir quem se beneficia dos privilégios desse sistema.
Ainda que homens também sofram com os efeitos opressores do patriarcado, são eles os grandes beneficiários. E é aí que se encontra precisamente o papel do homem como (pró-) feminista (MARQUES-SAMYN, 2013b), que além de reconhecer seus privilégios seculares, deve combater as múltiplas formas pelas quais os homens colaboram para a perpetuação das estruturas patriarcais, questionando como agem em favor da opressão sexista (“Eu não sou machista, mas...”). Isso porque, assinala Pedro Ambra (2021), homens tem diante de si uma enorme tarefa, de inegável importância para a revolução feminista, que envolve o questionamento das crenças e dos valores associados tradicionalmente à masculinidade.
Podemos afirmar que os homens governam o mundo (ADICHE, 2022). Sejam nos lugares de gestão das cidades, nos cargos de chefia, ou na detenção da maior renda familiar. Neste sentido, incorpora-los na discussão feminista torna-se fundamental para a construção de uma realidade mais inclusiva e respeitosa. Ainda que nem homem nem mulheres, em geral, gostem de falar sobre o assunto, “porque a ideia de mudar o status quo é sempre penosa”, precisamos começar “a planejar e sonhar um mundo diferente, um mundo mais justo” para homens e mulheres (ADICHE, 2022).
O debate em torno da equidade de salários, garantia do amplo acesso das mulheres a cargos de decisão, reorganização dos papéis de gênero na sociedade, e da criação de políticas públicas que contribuam para a constituição de espaços públicos e coletivos mais seguros, dentre outros, também pode contribuir para a adoção de um modelo em que o masculino seja redefinido em sua relação aos direitos das mulheres. E, sobretudo, fortalecer a compreensão de que equidade não representa um enfraquecimento do lugar do homem, mas sim o fim da construção social da divisão sexual.
É preciso desnaturalizar a compreensão generalizada da masculinidade como sinônimo de universal, visando a constituição de um percurso que vá da crítica ao patriarcado às suas possibilidades de subversão. Também observar as relações entre homens e processos de subjetivação cuja constituição quase sempre prevê encontros com a violência, contra a mulher, mas também contra si mesmo. Para Marques-Samyn (2013a), a esmagadora maioria dos homens — e isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito ao Brasil — ainda não teve a coragem de encarar a versão equivalente da radical indagação crucial para o feminismo contemporâneo: o que significa tornar-se homem?
Portanto, neste 8 de março de 2023, provocamos: que tal presentear os homens com um livro sobre feminismos?
Colaboraram neste post: Phâmela Alves, Rafael Bosa, Maria Rita Soares, e Geisa Bugs.
Referências
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Trad. Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
AMBRA, Pedro. Apresentação. Em: MOREIRA, Maíra Marcondes. O Feminismo é Feminino?: a Inexistência da Mulher e a Subversão da Identidade. Scriptum Livros, 2021.
MARQUES-SAMYN, Henrique. O “Novo Homem” nascerá do feminismo. Blogueiras feministas. 2013a. Disponível em: <https://blogueirasfeministas.com/2013/01/14/o-novo-homem-nascera-do-feminismo/#more-12689>.
MARQUES-SAMYN, Henrique. Homens (pró-)feministas: aliados, não protagonistas. Blogueiras feministas. 2013b. Disponível em: <https://blogueirasfeministas.com/2013/01/14/o-novo-homem-nascera-do-feminismo/#more-12689>.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. Belo Horizonte: Letramento, 2017.
Sugestões
AMBRA, Pedro et al. Masculinidades: do estrutural ao plural. Curso online. 2022. Disponível em: <https://www.cultloja.com.br/produto/masculinidades-do-estrutural-ao-plural/>.
JABLONKA, Ivan. Homens justos: Do patriarcado às novas masculinidades. Todavia, 2021.
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