O trabalho que marca o início da trajetória do Grupo de Estudos Encontros, Territórios e Redes [ En.t.re ] foi o artigo chamado "Mapeamento da experiência cotidiana de cinco mulheres na cidade de Porto Alegre" apresentado no 7 EICCMU Encontro Internacional Cidade, Contemporaneidade e Morfologia Urbana: Mulheres e Lugares Urbanos. Neste trabalho, buscamos compreender formas de apropriação da cidade contemporânea pela mulher, a partir dos seus deslocamentos cotidianos, investigando o pertencimento da mulher no espaço público e a direta relação com suas atividades diárias, além de reflexões sobre a mobilidade urbana e a escolha do automóvel.
Discutir esse tema é trazer à tona a realidade que as mulheres vivem. Podemos afirmar que homens e mulheres usufruem do espaço das cidades de formas diferentes. Problemas envolvendo mobilidade, acessibilidade e segurança pública, embora atinjam a todos, atingem as mulheres de modo mais intenso.
Muitas mulheres sentem medo de transitar em determinados lugares da cidade, haja vista o sentimento de vulnerabilidade frente aos homens, marcado pela ameaça de delitos relacionados com o sexo, o que acaba por determinar os movimentos rotineiros das mulheres no espaço urbano (TONKISS, 2005), ou seja, o sentimento de pertencimento ou não na cidade. Uma rua deserta e sem iluminação adequada ou calçada proporcionalmente confortável, são sinais de alerta para as mulheres, que obrigam-se a mudar de trajeto ou ter um maior gasto com transporte para evitar situações desfavoráveis como assaltos e até mesmo estupros.
Além disso, verificamos que o deslocamento urbano feminino é reflexo da sobreposição de funções que a mulher exerce diariamente, que compreendem desde atividades domésticas (que incluem fazer o mercado do mês, ir até a lavanderia etc), atividades escolares, além do trabalho remunerado. Trata-se de um conjunto pequeno de trajetos, porém possui um maior número de deslocamentos quando comparado aos deslocamentos masculinos.
Padrões de viagem. Fonte: ITDP (2018)
Estudos com este tema ainda são raros, bem como a prática de suas sugestões, o que justifica o fato do planejamento das cidades não levarem questões de gênero em consideração. Cymbalista et. al. (2008, p. 8-9) corroboram a questão e consideram que "a leitura e análise do território pode ser muito mais rica e abrangente se levar em conta a experiência feminina. (...) Conhecer a trajetória das mulheres na cidade revelará a situação de quem a vivencia cotidiana e intensamente dentro de suas tarefas familiares, domésticas e profissionais”.
Diante deste contexto, a partir do embasamento teórico e visando coletar dados empíricos, realizamos um experimento piloto através do mapeamento dos deslocamentos praticados durante quatro dias da semana por cinco mulheres integrantes do grupo, utilizando ferramenta de monitoramento por celular. Foram coletados os trânsitos realizados de carro e/ou a pé, na cidade de Porto Alegre e sua Região Metropolitana, para diferentes atividades comumente desempenhadas por mulheres, como (1) atividades de lazer, família e amigos; (2) atividades funcionais, domésticas e de serviços; (3) atividades profissionais e estudos.
A importância do mapeamento da vida espacial em espaços urbanos como forma de verificação dos possíveis encontros que a cidade proporciona é abordado por Holanda (2002, apud TENORIO, 2012). O autor sugere a elaboração de um mapa de "copresença", compreendendo diferentes interações no espaço público, espacializando as atividades realizadas pelas pessoas.
Resultados
Os resultados demonstraram, dentre outros, uma ampla extensão dos movimentos cotidianos das mulheres e certa concentração espacial dos deslocamentos individuais, além de reforçar a importância do mapeamento da vida espacial em espaços urbanos como forma de verificação dos possíveis encontros que a cidade proporciona.
Em síntese, concluímos que, apesar da mostra reduzida, através da sobreposição dos trajetos realizados ao longo do período de análise, diferentes padrões de deslocamento puderam ser explicitados, demonstrando ser um método válido para a investigação de múltiplas realidades, tais como: conhecer a trajetória das mulheres na cidade e seus padrões de deslocamentos diários, identificar áreas acessadas e não acessadas na cidade, e tecer suposições sobre a apropriação da cidade contemporânea pela mulher.
Referências:
CYMBALISTA, Renato; SANTORO, Paula; CASELLA, Jane; CARDOSO, Patrícia de Menezes. Plano Diretor Participativo e o direito das mulheres à cidade. Instituto Pólis, 2008. Disponível em: <http://polis.org.br/publicacoes/plano-diretor-participativo-e-o-direito-das-mulheres-a-cidade/>. Acesso em: 30 set. 2018.
GOFFMAN, E. Behavior in public places. New York: Free Press, 1963.
LEGEBY, Ann. Patterns of co-presence: spatial configuration and social segregation. PhD Thesis. KTH Royal Institute of Technology, 2013.
TENORIO, Gabriela de Souza. Ao desocupado em cima da ponte. Brasília, arquitetura e vida pública. 2012. 391 f. Tese de doutorado - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília, Brasília.
TONKISS, Fran. Space, the city and social theory. Social Relations and Urban Forms. (1st). 2005. Polity Press, Oxford.
Créditos da Imagem:
Como seriam as cidades pensadas pelas mulheres? O caso de Barcelona. 13 Nov 2019. ArchDaily Brasil. <https://www.archdaily.com.br/br/928314/como-seriam-as-cidades-pensadas-pelas-mulheres-o-caso-de-barcelona> ISSN 0719-8906
Para ler o artigo completo, basta acessar o link: https://wp.ufpel.edu.br/eiccmu/files/2019/02/capa_fapergs-mesclado-compactado.pdf
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