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Foto do escritorKátia Oliveira

Análise cartográfica e interseccional da rede de apoio às mulheres vítimas de violência em PoA

Entre os dias 23 e 27 de maio de 2022 aconteceu o XIX ENANPUR - Encontro Nacional da ANPUR – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Em decorrência da crise sanitária do novo coronavírus, esse encontro bianual ocorreu com um intervalo de três anos da última edição e de forma totalmente on-line. Também rompeu-se a tradição de que os encontros nacionais fossem realizados em capitais de estados, sendo organizado pela equipe do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional – PPGDR, da Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), cidade catarinense de porte médio.


Na convocatória, a comissão organizadora nos brinda com um conjunto de trechos de canções brasileiras consagradas em diferentes momentos da história nacional que convocam a ‘esperançar’ diante de uma conjuntura nacional de tempestade, com retrocessos revelados em importantes indicadores sociais, econômicos, ambientais e políticos. Convida a comunidade acadêmica a participar ativamente no debate acerca das causas mais profundas desse complexo quadro. Há nesta chamada o desejo de que se constitua um espaço para a construção da esperança em escala urbana e regional, através da reavaliação de táticas e estratégias adotadas até o presente, a fim de formular e implantar projetos societários baseados na solidariedade, justiça, liberdade e autodeterminação.


A professora, pesquisadora e coordenadora do LabCidade da FAU/USP, Paula Santoro, publicou um post chamando a atenção as diversas mesas e sessões livres do evento com debates sobre métodos, teorias e práticas em torno de conceitos como interseccionalidade, gêneros, sexualidades, temas em disputa no campo do urbano. O texto apresenta uma síntese de alguns trabalhos realizados por pesquisadoras e pesquisadores do LabCidade e uma lista de tantos outros a serem apresentados no encontro, voltados a explorar estas perspectivas. Por um lado, a autora evidencia o interesse de pesquisas, em diferentes partes do país, em contribuírem para a inserção destas perspectivas no planejamento urbano e, por outro, que ainda são grandes os desafios em relação à métodos, teorias e práticas nos estudos urbanos voltados a explorá-las.


O artigo ‘Mulheres e o direito à cidade: Análise cartográfica e interseccional da rede de apoio às mulheres vítimas de violência em Porto Alegre/RS’, que apresentamos está incluído nesta lista. No trabalho, buscamos produzir conhecimento atualizado acerca da realidade de atendimento das demandas das mulheres vítimas de violência em Porto Alegre, interseccionando raça, renda e vulnerabilidade sócio espacial. Partimos do entendimento de que trazer à tona a realidade que diferentes perfis de mulheres vivem, a partir da lógica dos cuidados, em especial as mulheres mais vulneráveis, é um passo importante para a construção de um outro modelo de planejamento urbano, que garanta de fato o direito das mulheres à cidade.


Guiaram nossas reflexões os conceitos de Direito à Cidade de Henri Lefebvre (1968) - direito à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas para todas as pessoas que vivenciam a cidade, inclusive para as futuras gerações; de Vulnerabilidade de Robert Chambers (1989) - a insegurança e/ou exposição aos riscos, choques e situações de estresse e a incapacidade de defesa ou ausência de meios para tal; e de Interseccionalidade de Kimberle Crenshaw (1991) - a sobreposição ou intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados à opressão. Quando olhamos para o universo das mulheres de forma mais criteriosa, é preciso avaliar quem são as mulheres em situação de maior vulnerabilidade e com menor acesso potencial à cidade. Raça, etnia, classe social, gênero e sexualidade dentre outros aspectos, interferem nas condições de vulnerabilidade delas, uma vez que cada uma pode ser atravessada por diferentes práticas de opressão.


Visto que as mulheres, em suas diversidades e diferenças, enfrentam grandes dificuldades para usufruir das oportunidades oferecidas no meio urbano de forma igualitária e segura, objetivamos discutir o direito das mulheres à cidade, frente às desigualdades e a violência de gênero, apresentando dados secundários e analisando a distribuição da rede de equipamentos de proteção e apoio às mulheres em Porto Alegre a partir da produção de cartografia interseccional. A rede de apoio mapeada está composta de serviços e equipamentos públicos e sedes de associações e organizações não governamentais (ONGs) voltadas para o tema. Por fim, considerando potencialidades e barreiras, examinamos a configuração da sua localização no território, relacionando raça e renda.


Para obter um panorama, ainda que parcial, desta rede em Porto Alegre, foram utilizadas informações contidas no Mapa do Acolhimento (NOSSAS, 2021) para o município e agregada a localização de outros serviços, equipamentos, ONGs e associações consideradas pertinentes. Para produzir uma análise interseccional que relacione também dados de vulnerabilidade, como condições de moradia e infraestrutura urbana foi utilizado o mapa das Áreas de Vulnerabilidade em Porto Alegre, produzido pelo Observatório da Cidade de Porto Alegre (OBSERVAPOA, 2021) e um mapa que relaciona a distribuição da população negra em Porto Alegre com renda per capita apresentado por Corrêa e Heck (2019). Como forma de mensurar a distância a percorrer pelas mulheres que vivem nos 94 bairros oficiais de Porto Alegre a fim de acessarem a rede de equipamentos e serviços de apoio foi utilizado como parâmetro o raio de 1.600 metros, indicado para atendimento em serviços especializados, cujo acesso se dê por transporte individual ou coletivo e as relações de uso sejam ou menos numerosas ou excepcionais (CASTELLO, 2013).




A análise cartográfica demonstra a centralização dos serviços e equipamentos nos bairros de Porto Alegre com melhor infraestrutura, com população de maior renda e predomínio de pessoas brancas, menos sujeitas aos diferentes tipos de violência. Também é visualizada a dificuldade de acesso a esses serviços e equipamentos por parte das mulheres que residem nos bairros de maior vulnerabilidade e com maioria de população negra e parda, de menor renda. Evidenciou-se que a rede existente em Porto Alegre, embora contemple um conjunto importante de equipamentos e serviços, carece de ampliação e melhor distribuição por seus 94 bairros. A cobertura de equipamentos como sedes de patrulhas Maria da Penha, casas de acolhimento e delegacias especializadas no atendimento a mulheres vítimas de violência ainda é insuficiente na cidade.


Cartografias temáticas com enfoque de gênero, produzidas de forma colaborativa, através de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), têm se apresentado como ferramentas para a elaboração de estratégias de enfrentamento aos problemas da violência e para compor diagnósticos que subsidiem o planejamento urbano voltado à redução das desigualdades nas cidades. De maneira geral, os mapas são ferramentas que facilitam a reflexão e a problematização de territórios sociais, subjetivos, geográficos e podem potencializar a participação, o coletivo, a construção de novos relatos e a visibilização de conflitos frequentes ou situações naturalizadas (LOPEZ, 2020). São importantes para subsidiar o planejamento e a gestão urbana através da visualização da realidade plasmada sobre o território e suas interrelações com outros temas.


Deste estudo preliminar, que compõe um trabalho maior que busca investigar a questão também em outras cidades, foi possível estabelecer algumas considerações: as leis e serviços públicos criados para o atendimento e apoio às mulheres vítimas de violência, em grande medida, são fruto da luta e resistência dos movimentos feministas e de mulheres em diferentes esferas e campos de atuação; os programas, fundos públicos e estruturas administrativas nas três esferas de poder são fundamentais para a consecução de transformações reais na vida das mulheres; é fundamental implantar equipamentos e infraestrutura de cuidados com a vida cotidiana próximas aos locais de moradia; a questão do desenho e implantação das moradias é central, com destaque para as tarefas reprodutivas compartilhadas, liberando tempo para o desenvolvimento individual das mulheres e privilegiando a segurança da posse para elas; é essencial produzir, ao mesmo tempo, ações de construção da cidadania das mulheres e de combate ao sexismo e ao racismo estrutural.


Estamos diante de importantes desafios urbanos no início desta terceira década do século XXI. Cabe mencionar que a construção de cidades inclusivas e menos hostis para as mulheres, faz parte da agenda da Organização das Nações Unidas (ONU), através do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável número 5, que aponta para a necessidade de alcançarmos a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas, no horizonte de 2030. Dentre os objetivos específicos do ODS 5, estão incluídos a eliminação de todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas e o reconhecimento e a valorização do trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social.


Autoras: Kátia Ferreira de Oliveira (PUCPR) e Geisa Bugs (PUCPR)


Referências


CHAMBERS, Robert. Vulnerability, coping and policy. IDS Bulletin, v.20, n.2,1989.


CASTELLO, Iara Regina. Equipamentos Urbanos, Grupos Hierárquicos, Parâmetros de Localização e Caraterísticas Gerais. 2013.


CORRÊA, Leticia Xavier; HECK, Adalberto da Rocha. Segregação Racial: O lugar do negro em Porto Alegre/RS - O bairro Rubem Berta. In: XVII Enanpur, 2019, Natal, RN. Anais XVIII ENANPUR 2019, 2019.


CRENSHAW, Kimberle. Mapping the Margins Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color. Stanford Law Review, 43, p. 1241-1299, 1991.


LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.


LOPEZ, María Julieta. Diseño y construcción de mapeos colaborativos como herramienta para reflexión y aporte a la toma de decisiones. XXXIV Jornadas de investigación. XVI Encuentro Regional. SI+Herramientas y procedimientos. Instrumento y método. Modalidad virtual. Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo. Universidad de Buenos Aires, 2020. (p.302) (p. 299 - 309).


NOSSAS. Mapa do Acolhimento [online]. Disponível em: https://www.mapadoacolhimento.org. Acesso em: 30 nov. 2021.


OBSERVAPOA - Observatório da Cidade de Porto Alegre. Perfil da Cidade. [online]. Disponível em: <http://observapoa.com.br/default.php?p_secao=4#Perfil_da_Cidade> Acesso em: 27 maio 2021.

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